A
partir da edição da Lei de Arbitragem - Lei 9.307, de 1996, um intenso debate
se instaurou acerca da possibilidade de utilização desse instituto no âmbito
dos contratos administrativos, especialmente aqueles regidos pela Lei 8.666, de
1993, tendo em vista a inexistência de uma previsão expressa a respeito.
Recentemente, a questão voltou à tona com uma decisão da Primeira Seção do
Superior Tribunal de Justiça admitindo a possibilidade de a administração
pública se valer da arbitragem para matérias envolvendo o direito público
disponível, entendido como aquele que possui natureza contratual ou privada
(Recurso Especial 11.308 do Distrito Federal).
O
fundamento que sempre pautou a interpretação quanto à possibilidade de
utilização da arbitragem nos contratos administrativos vem disposto no artigo
54 da Lei 8.666, segundo o qual devem ser aplicados aos contratos
administrativos, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e
as disposições de direito privado.
Com
a edição da Lei das Concessões - Lei 8.987, de 1995 -, passou a haver previsão
expressa sobre a necessidade de inclusão de formas extrajudiciárias de solução
das controvérsias nos contratos de concessão. Como só há três modos de
solucionar amigavelmente controvérsias contratuais - por meio da mediação, da
conciliação e da arbitragem -, não restava dúvida que a lei permitia a
utilização desse instituto, embora sem explicitá-lo como uma das modalidades
que devem ser adotadas.
Contudo,
para afastar qualquer dúvida quanto à aplicação do instituto, a Lei 11.196, de
2005, teve o condão de explicitar o uso da arbitragem nos contratos de
concessão, ao estabelecer que "o contrato de concessão poderá prever o
emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou
relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e
em língua portuguesa".
Desse
modo, a aplicabilidade e legalidade da arbitragem para a solução de conflitos
decorrentes de contratos de concessão se pacificou. O próprio Tribunal de
Contas da União reviu seu entendimento anterior e passou a admitir tal
mecanismo nesses contratos, desde que as cláusulas objeto de julgamento pelos
árbitros não ofendam o princípio da legalidade e o da indisponibilidade do
interesse público.
A
arbitragem tem se mostrado extremamente útil para assegurar a regularidade na
execução de serviços públicos.
Desde
então, diversas outras leis passaram a prever a possibilidade de utilização do
instituto da arbitragem em contratos administrativos, valendo citar,
exemplificativamente, a Lei 10.433, de 2002, que trata da criação do mercado
atacadista de energia elétrica, pela qual as agências reguladoras têm se
utilizado freqüentemente da cláusula arbitral em seus contratos, a Lei 9.478,
de 1997, que dispõe sobre a política energética nacional, e mais recentemente a
Lei das Parcerias Público-Privadas - a Lei 11.079, de 2004.
Não
se pode deixar de observar, ademais, que a Lei de Arbitragem de maneira alguma
veda ou restringe a participação do Estado na utilização de tal procedimento.
Muito ao contrário, a redação de seu artigo 1º estabelece que "as pessoas
capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios
relativos a direitos patrimoniais disponíveis". O sentido da palavra
"pessoas", na forma utilizada pela lei, abrange, inclusive e além das
pessoas de direito privado, as pessoas jurídicas de direito público interno,
nos termos da definição dada ao termo pelo Código Civil. Portanto, também sob o
prisma da Lei de Arbitragem, entendemos que tal procedimento é plenamente
viável nas relações contratuais de direito público, ficando restrito seu uso,
contudo, aos litígios referentes a direitos patrimoniais disponíveis.
Através
de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, parece restar clara a
possibilidade de utilização da arbitragem em contratos administrativos, mesmo
aqueles regidos pela Lei 8.666, inexistindo impedimento para que os entes
governamentais optem por esse mecanismo para resolver os conflitos sobre
direitos disponíveis oriundos de contratações firmadas com particulares,
obtendo decisões definitivas com a mesma eficácia de uma sentença judicial
rápidas e especializadas.
A
grande insegurança, contudo, e que torna tal prática vulnerável a
questionamentos, deve-se ao fato de inexistir regulamentação específica sobre
tal mecanismo na Lei 8.666. Daí a necessidade de uma alteração pontual da lei
para garantir sua possibilidade. Vale destacar, ademais, que o julgamento, pelo
tribunal arbitral, de desavenças na execução ou cumprimento do contrato
administrativo não fere o princípio da supremacia do interesse público, eis que
a questão discutida, ao invés de ser julgada pelo Poder Judiciário, será
apreciada por árbitros imparciais que seguirão regras pré-estabelecidas, dentre
as quais encontra-se a vedação a matérias que envolvam direitos indisponíveis.
Além disso, os árbitros jamais poderão distanciar seus entendimentos dos
princípios contidos no caput do artigo 37 da Constituição Federal, bem como dos
demais princípios que regem o direito administrativo.
A
arbitragem tem se mostrado um instrumento extremamente útil para assegurar a
regularidade na execução de serviços públicos e para manter o equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos administrativos, na medida em que permite
que se chegue rapidamente à composição dos conflitos envolvendo direitos
disponíveis, mediante decisões tomadas por especialistas no específico assunto
controvertido. A recente confirmação de compromisso arbitral em sede de
contrato administrativo pelo STJ não apenas vai ao encontro da evolução
legislativa e doutrinária sobre a matéria, como também é reflexo do dinamismo
que tem se verificado nas formas de relação entre o poder público e o
particular.
Revista
Consultor Jurídico,
12 de setembro de 2008
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